Dr. Marcelo Basso de Sousa*
A neurocirurgia para pessoas com o Diagnóstico de Transtorno Obsessivo-Compulsivo é indicada para casos bastante restritos, de pacientes ultra-resistentes definidos como; a) com sintomas muito graves por pelo menos 5 anos, b) muito incapacitados ou suicidas, c) que não se beneficiaram com a farmacoterapia (após três ensaios clínicos com fármacos distintos, sendo um deles a clomipramina, e duas ou mais estratégias de potencialização) e pelo menos 20 horas de terapia comportamental (Arlington, 2007; Fontenelle, 2007; Lopes, 2009).
Até o momento foram relatadaspelo menos 5 abordagens neurocirúrgicas no TOC refratário, todas envolvendo lesão seletiva em uma ou mais partes do circuito córtico-estriado-talâmico-cortical (Fontenelle, 2007). As taxas de melhora variam de 27 a 100% dos pacientes, mas até agora não foi possível determinar a técnica cirúrgica mais efetiva. Lopes, et al; Greenberg et al; Rasmussen; e Mindus et al publicaram revisões dos estudos nessa área (Lopes, 2004; Greenberg, 2003; Rasmussen, 1997 e Mindus, 1994). Kim et al obtiveram uma taxa de melhora com a cingulotomia anterior ao redor de 50% dos casos 1 ano após a cirurgia (6 de 14 considerados responsivos) (Kim, 2003). Doughertyet al obtiveram resultados similares em um estudo de seguimento com média de 32 meses envolvendo 44 pacientes após a cingulotomia. Vinte (20) pacientes (45%) foram considerados parcialmente responsivos (Dougherty, 2002). Acredita-se ainda que pacientes que não responderam à TCC ou à farmacoterapia tornem-se responsivos depois da neurocirurgia. Os eventos adversos mais frequentes são convulsões transitórias, ganho de peso, fadiga, lentificação mental, apatia e irritabilidade.
Estimulação Cerebral Profunda (DeepBrainStimulation – DBS) por Implante cerebral
Este século marca o início de uma nova era no tratamento neurocirúrgico dos transtornos psiquiátricos refratários, de intervenção cirúrgica não-lesiva (ou seja, que não lesa o cérebro e que pode ser retirada no caso de insucesso sem prejuízo cerebral para o doente), pelo uso de aparelhos estimuladores conectados a eletrodos implantados (implantes cerebrais profundos) (Goodman, 2012), de uso já aprovado e reconhecido para o tratamento de Doença de Parkinson, distonia e tremor (Rezai, 2008; Tagliati, 2004) . Estes mesmos procedimentos já foram aprovados em março de 2005 para TOC refratário pela agência responsável em fiscalizar medicamentos dos EUA, como um procedimento de uso humanitário (Humanitarian use device), como uma alternativa à capsulotomia anterior (esta, destrutiva da área atingida).
A estimulação cerebral profunda (ECP/DBS) consiste no implante de eletrodos em regiões específicas do cérebro, que possibilitam transmissão e recepção de um estímulo elétrico contínuo de alta frequência a partir de um gerador de pulso externo similar a um marca-passo cardíaco (Fig.1).A ECP foi inicialmente proposta como alternativa reversível à ablação cirúrgica, sendo geralmente considerado que o uso de alta frequência (130 Hz) produz uma ablação funcional no mesmo alvo. Entretanto, estudos mais recentes mostram que os efeitos são mais complexos. (Vitek, 2002; McCracken, 2007).
Até o momento já existe evidência da participação de circuitos que conectam o córtex orbitofrontal, córtex medial pré-frontal, gânglios da base e o tálamo na formação de sintomas obsessivo-compulsivos elementos centrais e na resposta ao tratamento do transtorno (Greenberg, 2010). A hipótese mais aceitahoje é a de que o TOC esteja associado com uma hiperatividade do circuito cortico-estriado-palido-talâmico-cortical (Meissner, 2005). Neste caso, a função do tratamento com DBS seria a de inibir/corrigir funcionalmente a hiperatividade desta via (Le Jeune, 2010). A frequência da estimulação parece ser de fato um fator determinante na eficácia clínica, uma vez que baixas frequências são consideradas como ativadoras de neurônios, enquanto estimulação de alta frequência resulta em inibição neuronal (Rauch, 2006).
O efeito esperado no TOC é da interrupção ou modulação das vias cerebrais disfuncionadas no TOC. Entretanto, a questão é a determinação do ponto ou região deste circuito para ser estimulado. Vários estudos prévios de imagem funcional cerebral forneceram fundamentação a escolha da ALIC ventral para a terapia de TOC (Greenberg, 2010, Goodman, 2012).
No implante para TOC, o eletrodo é colocado no ramo anterior da cápsula interna ou no núcleo accumbens,e sua ação se assemelha ao efeito de uma lesão cirúrgica, porém com a vantagem de ser um procedimento ajustável e reversível (Goodman, 2009). Se o tratamento não trouxer benefícios, todo o aparelho pode ser removido sem maiores consequências para o paciente. Adicionalmente, já foi evidenciado em exame postmortem de cérebros de pacientes com eletrodos implantados nos seus cérebros que ocorrem mudanças mínimas pela estimulação crônica do DBS, limitadas a uma mínima gliose ao longo do trajeto do eletrodo (DiLorenzo, 2010).
O primeiro implante de DBS em TOC foi realizado em Estocolmo em 1998 no hospital Karolinska, em dois pacientes recebendo estimulação bilateral no ramo anterior da cápsula interna (“anterior limboftheinternal capsule” (ALIC)) com utilização de baterias externas. Os resultados nunca foram publicados, porém ficou registrado que não houve efeitos significativos após 3 a 4 semanas deestimulação nestes pacientes (AndreewitcheMeyerson, comunicaçãopessoal).Um ano depois, foi publicado o primeiro artigo de DBS para TOC no qual 3 dos 4 pacientes operadosevidenciaram melhora com implante também na ALIC (Nutting, 1999).
Depois de quase 20 anos, o número de pacientes com TOC tratados ainda é pequeno, sendo estimado em cerca de 90 a 100 casos no mundo. Nestes, a taxa de resposta média é de aproximadamente 50%. Trata-se de um procedimento menos invasivo do que a neurocirurgia convencional, porém existe um risco no procedimento de colocação do eletrodo, de hemorragia cerebral, de infecções e do surgimento de crises convulsivas após o procedimento. É bem tolerado pela maioria dos pacientes, todavia podem surgir alterações discretas no paladar e olfato, mudanças autonômicas, sudorese, náusea, etc. (Arlington, 2007). Sua principal desvantagem em relação à neurocirurgia convencional seria o custo ainda elevado – aproximadamente U$ 80.000,00, incluindo a operação e o aparelho (Goodman, 2012).
Uma revisão sistemática recente sugere também que a estimulação cerebral profunda não-invasiva (por estímulo magnético transcutâneo repetido com bobinas especiais) pode ser uma alternativa altamente promissora para o TOC refratário, quando são levados em conta os resultados do tratamento, e baixa ocorrência de efeitos colaterais graves. Devido aboa resposta e à gravidade dos casos, tanto sob o ponto de vista humanitário como o econômico em pacientes incapacitados pela doença, o alto custo desse tratamento pode ser justificável, sugerindo maior número de estudos para a real avaliação do método (Lakhan, 2010). Ao mesmo tempo, sua extensão para casos com resposta a outros tratamentos pode provocar um impacto excessivo nos custos do tratamento. Adicionalmente, é necessário levar adiante estudos de técnicas inovadoras de menor custo, como Radioterapia ou terapia com raios Gama, já evidenciada em diferentes estudos (Lopes, JAMA Psychiatry. 2014;71(9):1066-1076) com resultados animadores.
*Médico Psiquiatra. Supervisor do Programa de Transtornos de Ansiedade do HCPA.
Referências
American Psychiatric Association. Practice guideline for the treatment of patients with obsessive-compulsive disorder. Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2007. Disponível online em: http//www.psych.org/psych_pract/treatg/pg/prac_ guide.cfm.
Lopes AC, Greenberg BD, Norén G, etaliTreatment of resistant obsessive-compulsive disorder with ventral capsular/ventral striatal gamma capsulotomy: a pilot prospective study.J Neuropsychiatry ClinNeurosci. 2009 Fall;21(4):381-92.
Fontenelle LF, Guimarães Barbosa I, Victor Luna J, et aliPsychiatry Res.Neurotrophic factors in obsessive-compulsive disorder. 2012 Oct 30;199(3):195-200.
Lopes AC, Mathis ME, Canteras MM, et al. Atualização sobre o tratamento neurocirúrgico do transtorno obsessivo-compulsivo.RevBrasPsiquiatr 2004; 25: 62-6.
Greenberg BD, Price LH, Rauch SL, et al. Neurosurgery for intractable obsessive-compulsive disorder and depression: critical issues. NeurosurgClin N Am 2003; 14: 199-212.
Rasmussen SA, Eisen JL. Treatment strategies for chronic and refractory obsessive-compulsive disorder.J Clin Psychiatry. 1997;58Suppl 13:9-13. Review.
Mindus P, Rasmussen SA, Lindquist C. Neurosurgical treatment for refractory obsessive-compulsive disorder: implications for understanding frontal lobe function. J Neuropsychiatry ClinNeurosci 1994;6:467–477.
Kim CH, Chang JW, Koo MS, et al. Anterior cingulotomy for refractory obsessive-compulsive disorder.ActaPsychiatrScand2003; 107: 283-90.
Dougherty DD, Baer L, Cosgrove GR, et al. Prospective long-term follow-up of 44 patients who received cingulotomy for treatment-refractory obsessive-compulsive disorder. Am J Psychiatry 2002; 159: 269-75.
Goodman WK, Alterman RL.Deep brain stimulation for intractable psychiatric disorders.Annu Rev Med.2012;63:511-24.
Rezai AR, Machado AG, Deogaonkar M, et al. Surgery for movement disorders. Neurosurgery 2008;62(Suppl. 2):809–38; discussion 38–39.
Tagliati M, Shils J, Sun C, et al. Deep brain stimulation for dystonia. Exp. Rev.Med. Devices 2004;1:33–41.
Vitek JL. Mechanisms of deep brain stimulation: excitation or inhibition. Mov.Disord.2002;17(Suppl. 3):S69–72.
McCracken CB,Grace AA. High-frequency deep brain stimulation of the nucleus accumbens region suppresses neuronal activity and selectively modulates afferent drive in rat orbitofrontal cortex in vivo. J. Neurosci. 2007;27:12601–10.
Greenberg BD, Rauch SL, Haber SN. Invasive circuitry-based neurotherapeutics: stereotactic ablation and deep brain stimulation for OCD. Neuropsychopharmacology2010;35:317–36.
Meissner W, Leblois A, Hansel D, et al. Subthalamic high frequency stimulation resets subthalamic firing and reduces abnormal oscillations. Brain. 2005;128(10):2372–82.
Le Jeune F, Verin M, N’Diaye K, et al. Decrease of prefrontal metabolism after subthalamic stimulation in obsessive-compulsive disorder: a positron emission tomography study. Biol Psychiatry. 2010;68:1016–22.
Rauch SL, Dougherty DD, Malone D, et al. A functional neuroimaging investigation of deep brain stimulation in patients with obsessive-compulsive disorder.J Neurosurg. 2006;104(4):558–65.
Goodman WK, Insel TR. Deep brain stimulation in psychiatry: concentrating on the road ahead. Biol. Psychiatry 2009;65:263–66.
DiLorenzo DJ, Jankovic J, Simpson RK, Takei H, Powell SZ. Long-term deep brain stimulation for essential tremor: 12-year clinicopathologic follow-up. MovDisord. 2010 Jan 30;25(2):232-8.
Nuttin B, Cosyns P, Demeulemeester H, Gybels J, Meyerson B. Electrical stimulation in anterior limbs of internal capsules in patients with obsessive-compulsive disorder.Lancet. 1999 Oct 30;354(9189):1526.
Lakhan S, Callaway E. Deep brain stimulation for obsessive-compulsive disorder and treatment-resistant depression: systematic review. BMC Res Notes. 2010;3:60.